O Hellbrügge GT4 é a realização de um sonho. O sonho de fabricar um verdadeiro GT, nacional e de altíssimo desempenho. Purista em termos de sacrificar o excesso de luxo e conforto para favorecer ao extremo o prazer de pilotar. Um GT para ser saboreado conscientemente e não um carro para ser apenas dirigido.

O pai do sonho sou eu, Ricardo Hellbrügge.  Nasci no Brasil em 1950 e me apaixonei aos 11 anos de idade por automóveis, quando um catálogo do Peugeot 403 Conversível caiu nas minhas mãos. Iniciei naquela época uma coleção de catálogos de automóveis de todos os carros do mundo. Posso garantir que, entre os anos 1960 e 1965, praticamente não falta um exemplar de carro em minha coleção. Mantinha correspondência regular com todas as fábrica do mundo, sempre pedindo material para aumentar a coleção. Meu primeiro carro foi, é claro, um Fusca 1300. Carburação dupla, rodas e pneus mais largos, escape direto eram os primeiros passos para quem tinha pouca mesada. Decidi estudar Engenharia Mecânica para trabalhar com automóveis e me formei na Escola de Engenharia Mauá em 1974. Mas ainda estudante visitei muitas fábricas de automóveis  na Europa, para conhecer meus contatos e os carros com que sonhava. E na volta iniciei, meio sem querer, aquilo que veio a ser meu “hobby” até hoje em dia. Começei a escrever sobre estas visitas para a revista “Auto Esporte”, sem qualquer remuneração, mas feliz da vida em ver meu nome estampado na matéria. Há mais de 25 anos escrevo minhas impressões ao dirigir carros possantes como Corvette, Viper, Porsche, Jaguar, BMW, Mercedes-Benz, Maserati, Lamborghini e outros tantos. Esta sempre foi e continua sendo minha atividade “hobby”.

Meu ganha-pão, no entanto, era o trabalho na engenharia de desenvolvimento em grandes fabricantes de autopeças como Cofap, Metal Leve e Sabó, atividade que sempre esteve ligada a muitas visitas a montadoras no exterior. Nestas ocasiões sempre surgia a possibilidade de testar uma nova super-máquina. Ao longo dos anos fui constatando que os carros ficavam cada vez melhores, mais possantes, mais seguros e mais equipados, porém também isolavam cada vez mais o piloto da máquina. As reações na aceleração, frenagem e em curvas eram tão filtradas, que mesmo 500 HP não liberavam qualquer adrenalina. Os  carros eram maravilhosos, mas tinham engordado no peso, estavam repletos de eletrônica embarcada e tinham simplesmente se tornado todos iguais.

Em 2002 decidi que estava na hora de fabricar um carro que trouxesse de volta a adrenalina, um carro que informasse claramente o piloto o que estava acontecendo a cada segundo com cada roda. Um motor liso em baixa e absurdamente forte em alta rotação, tração na 4 rodas para conseguir por no chão toda esta força, freios, direção e suspensão coerentes com este desempenho.

Tinha um objetivo claro: buscar o menor peso possível para um carro de rua, não estava buscando um carro de arrancada. Portanto o ponto de partida tinha que ser uma plataforma pequena, sem equipamentos opcionais, a famosa versão básica. E esta plataforma tinha que ser reconstruída seguindo a máxima de Colin Chapman da Lotus: um chassis mas rígido possível e uma suspensão mais adaptável ao solo. Meu sonho tinha ainda dois números básicos: aceleração até 100 km/h abaixo de 5 segundos e até 200 km/h abaixo de 15 segundos. Assim meu projeto estaria andando junto com carros maravilhosos, de altíssima tecnologia e com os quais eu obviamente não tinha a menor  intenção de comparação. Apenas queria ter o mesmo desempenho e comportamento dinâmico de versões esportivas da Audi, BMW e Porsche, porém a um custo muito, mas muito menor. 


 

 

O primeiro passo foi a compra de um VW Gol 1.0 8V, 2 portas, preto, básico, sem qualquer opcional., em julho de 2002. Peso em torno de 900 kg, ideal para o começo. Após visitar vários preparadores e oficinas, escolhi um que me pareceu conhecer a fundo a arte da preparação e começei a trabalhar com ele, apesar de este técnico só dominar preparação com carburadores Weber e não ter experiência com motores injetados. Missão: montar um motor VW AP 2.0, com preparação forte para rua, e instalar neste Gol 1.0. O motor 8V deveria render 400 HP. Os componentes do motor foram escolhidos e comprados individualmente, um câmbio longo de Santana adquirido e após 2 meses estávamos levantando a curva de potência no dinamômetro da Dynojet: deu exatos 360 HP com 1,5 bar de turbo e 400 HP com 2,1 bar. Uau! O carro virou um capeta! Infelizmente só podia acelerar mesmo a partir do final da terceira marcha, caso contrário o torque de 500 Nm detonava com as engrenagens do câmbio, com as juntas homocinéticas, com a embreagem... Mas adrenalina, o elixir que era buscado, havia de sobra. O carro ocupava três pistas nas aceleradas e mesmo em quinta desembestava com a mesma fúria da primeira! Delicioso, mas muito, muito perigoso. Sem contar que os pneus não tinham índice de velocidade para mais que 190 km/h, que os freios eram originais do Gol 1.0, que a suspensão estava original, exceto por um par de amortecedores Koni na dianteira. Mas o caminho estava aberto, restava agora manter a adrenalina e ter segurança e um projeto mais equilibrado. 

Como já tinha um outro carro particular com tração integral, a próxima idéia foi óbvia. Vamos transformar este Gol em 4x4! Comecei uma longa investigação, junto as fábricas VW e Audi, tanto aqui quanto na Alemanha. Sabia que nosso Gol derivava do Passat 1974, na época irmão do Audi 80. Sabia que a Audi tinha inovado mundialmente ao lançar o sistema Quattro de tração integral em ralis e que tinha ganho muitas competições internacionais. Depois adotou a tração integral nos carros de série. Estudei desenhos, fiz contas e concluí que uma adaptação seria possível, desde que cálculos estruturais garantissem a rigidez do conjunto. 

Então comprei em Março de 2003 uma perua Audi S2. Antes de desmontar o carro, rodei pouco mais de 1000 km com ele e me apaixonei. “Che bella macchina!”, diriam os italianos. Excelente desempenho com apenas 230 HP, excepcional capacidade de tração, de fazer curvas, de frear, um conjunto maravilhoso. Procurei, então, especialistas para me auxiliar no projeto Gol 4x4. Conversei com algumas dezenas de pessoas, visitei outras tantas empresas e oficinas e juntei uma pequena equipe multi-disciplinar. Esta equipe foi composta basicamente de 6 ases em suas respectivas áreas: um preparador de motores (o mesmo da fase inicial, só que agora com a missão de 500 HP com Weber e depois 600 HP com injeção Haltech), um técnico em chassis tubular e reforços de monobloco com ampla experiência em solda, um funileiro “da antiga” com competência pra fazer trabalho em chapa na base do martelinho, um técnico mecânico com ampla experiência em montagem e adaptações de conjuntos mecânicos, um pintor que reunisse a dom artístico com o conhecimento de proteção das chapas e tubos e, finalmente, um tapeceiro dotado de capricho e senso estético. A parte de cálculos e simulações em computador ficou sob minha responsabilidade, uma vez que minha atividade profissional atual está ligada à informática. Trabalhamos forte durante 5 meses. Duro mesmo, varando quase todos os fins-de-semana e indo até altas horas de noite durante a semana. Conheci seres humanos maravilhosos: dedicação, entusiasmo, conhecimento prático profundo apesar de pouca escolaridade, humildade, muita criatividade. E o milagre aconteceu: em apenas 5 meses o carro estava dando as primeiras voltas. Um prazo record, absolutamente incomum para a dimensão e complexidade do projeto. O fato do carro andar tão bem de primeira já não foi surpresa: era uma conseqüência natural do projeto bem calculado e da execução primorosa. Não há mistério: a competência traz o sucesso!

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